quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Canções e Poemas – Parte II



Do Amor e do Enamoramento


Pássaros, que namorados
pareceis no que cantais,
não ameis que, se amais,
de vós sereis desamados.
Em meus olhos agravados
vereis se tenho rezão,
pois que vela o coração.
Crisfal, est. 66


   Na Écloga Crisfal ou Trovas de Crisfal, é contada a história de amor dos jovens pastores Maria Brandão e Crisfal. Nos versos acima (est. 66) o poeta faz da Natureza confidente, utilizando uma linguagem requintada, mas cheia de candura. A obra, atribuída a Cristóvão Falcão, mas que alguns académicos defendem ser da autoria de Bernardim Ribeiro, foi publicada anonimamente em 1543-1546; será mais tarde publicada em 1554, em Ferrara, juntamente com obras de Bernardim Ribeiro, na tipografia de Abraham Usque (nome adoptado por Duarte Pinel, um latinista de Lisboa). 



Menina com Dama de Companhia, 1670, Bartolomé Esteban Murillo


     Em “Menina estás à janela”, música e poema apelam a um amor puro e cheio de ternura. A cantiga, uma das mais bonitas do Cancioneiro Popular Português, é da região do Alentejo, como Vitorino Salomé que a recolheu e adaptou. Vamos ouvi-la numa interpretação de Vitorino e do Grupo Musical *Opus Ensemble, com direcção musical de Alejandro Erlich Oliva. 


Menina estás à janela/com o teu cabelo à lua
Não me vou daqui embora/Sem levar uma prenda tua

Sem levar uma prenda tua/sem levar uma prenda dela
Com o teu cabelo à lua/menina estás à janela

Os olhos requerem olhos/e os corações, corações
E os meus requerem os teus/em todas as ocasiões



Menina estás à janela - Vitorino & Opus Ensemble




A Festa no Barco, Livro de Horas de Da Costa, Simon Bening, c. 1515


   Non ha’lciel cotanti lumi (“Não há céu com tantas estrelas”) é uma canção de amor do compositor italiano Giuglio Caccini (1551-1618). O poema da canção, de autoria incerta, é de índole galante, cuja função primordial é justamente a de dirigir um galanteio a uma senhora. Caccini (co-fundador da Camerata Fiorentina e fundador do género conhecido por Ópera) foi um dos compositores mais influentes do seu tempo; foi também cantor na Corte dos Medici. 


Non ha’l ciel cotanti lumi/Tante still’e mari fiumi
Non l’April gigli e viole,/Tanti raggi non ha il Sole,
Quant’ha doglie e pen’ogni hora/Com gentil che s’innamora.

Não há no céu tantas estrelas,/nem tantas gotas nos mares e nos rios,
nem tem o Abril tantos lírios e violetas,/nem tantos raios tem o Sol,
como dores e penas a toda a hora/tem o amante que se apaixona.
(…)
Sei bem que só morrendo/posso pôr fim à minha dor,
Não é a vós que culpo/do meu estado sombrio e cru:
Apenas o Amor, o tirano, acuso,/esses belos olhos e vós escuso. 



Giulio Caccini - Non ha'l ciel



Sábado à tarde na Judiaria (Marrocos), 1883, Lacomte du Nouÿ


    Depois da expulsão de Espanha, em 1492, muitos judeus encontraram refúgio no Norte de África. As suas canções, cantadas em Ladino, conservaram características medievais do tempo de Al-Andaluz. A canção que vamos ouvir é disso mesmo exemplo: Avrix mi Galanica (“Deixa-me entrar”).

     A canção fala-nos de um galante que diz à sua amada não conseguir dormir à noite, por só pensar nela, pretendendo com este argumento entrar em sua casa. Num diálogo atrevido, a rapariga diz-lhe que não o pode deixar entrar em casa, porque o pai está lendo e pode ouvi-los – mi padre stá meldando, mos oyerá, ao que o galante replica: «Amatalde la luzezica’si se dormirá» – «Apaga a luz, assim ele vai dormir». A jovem continua a invocar impedimentos: a mãe está costurando – mi madre stá cuziendo, e o irmão está escrevendo – mi hermano stá scriviendo; o jovem sugere então à rapariga, que ela esconda as agulhas à mãe, ou a caneta ao irmão, de modo a que todos vão dormir e ele possa finalmente entrar. 

Avrix mi galanica que ya va amanecer
La noche yo no durmo pensando en ti
(…)



Música Sefardí "Avrix mi galanica" – Interpretação de Ensemble Accentus



Senhora com Máscara, Reynaldo Fonseca (Recife, 1925)


    Há no poema *“Do Amoroso Esquecimento” uma ironia subtil, muito ao gosto de Mário Quintana (Alegrete, 1906-Porto Alegre, 1994), o “poeta das coisas simples”, que apresentamos já de seguida: 


“Do Amoroso Esquecimento”

Eu, agora, - que desfecho!
Já nem penso em ti…
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mário Quintana



Bay mir bist du sheyn
Uma canção yiddish



    Bay mir bist du sheyn (“To Me You’re Beautiful”) é uma canção de 1932, do compositor Sholom Secunda, com letra de Jacob Jacobs, para uma comédia musical yiddish – Men Ken Lebn Nor Men lost Nisht (“I Would if I Could”). A canção, na versão original em forma de diálogo entre dois amantes, seria traduzida para inglês, mantendo no entanto o título original em yiddish, tornando-se um êxito. É com ela que terminamos este breve apontamento sobre canções e poemas de amor. 


Bei mir bist du schoen
(versão de Ella Fitzgerald)

Of all the boys I’ve known and I’ve known some
Until I first met you I was lonesome
And when you came in sight, dear my heart grew light
And this al’ world seemed new to me

You’re really swell, I have to admit you
These are the expressions that really fit you
And so I’ve racked my brain, hoping to explain
All the things that you do to me.
(…)



Bei mir bist du shejn – versão “original” yiddish – Interpretação da Banda Klezmer de Budapeste


*(poema do livro Espelho Mágico, 2ª edição, São Paulo: Globo, 2005, pág. 49)



Com os meus sinceros agradecimentos à responsável por este artigo:

Sónia Craveiro

Muito obrigada


 Beijinhos


Fontes:
SARAIVA, António José, Poesia e DramaEnsaio sobre a poesia de Bernardim Ribeiro, PÚBLICO/Gradiva;
O Ultimo quadro é de Zou Chuan Na

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