quarta-feira, 20 de junho de 2012

TRÊS CULTURAS

Abd-al-Rahmán III
TRÊS CULTURAS
JUDEUS, CRISTÃOS E MUÇULMANOS EM SEFARAD

Em 929, Abd-al-Rahmán III assumiu o título de Califa de Córdova, rejeitando a submissão à corte de Bagdade. Neste período, Córdova converteu-se numa das cidades mais civilizadas da Europa do seu tempo, e foi lá que se realizou o renascimento dos Judeus nas Ciências e Humanidades.
     A convivência inter-religiosa que se respirava em Córdova, permitiu um florescimento da ciência e cultura judaicas, nunca antes visto. Os guenoim (sábios judeus da Babilónia) começaram a manter correspondência com os rabinos e sábios dos centros espanhóis, como Lucena (perto de Córdova) e Barcelona.
     Os judeus de Al-Andaluz, pela primeira vez, tiveram acesso a saberes que os impulsionaram a escrever sobre ciência, gramática e filosofia. Escreveram poesia sem finalidade religiosa, pela beleza da expressão linguística e para entretenimento dos sentidos, e fizeram renascer o hebraico como língua literária.

A corte de Abd-al-Rahmán III, Dionísio Baixeras Veraguer


Hasday ben Shaprut (910-970), médico da corte, foi considerado príncipe (nasí) pelas comunidades judaicas, dedicando-se a elevar o seu nível cultural. Convidou para Córdova os primeiros poetas e pioneiros no estudo da gramática hebraica; tal foi o caso de Dunash ben Labrat (Fez, 920-Córdova, 990), objeto de um artigo publicado neste blog a 24 de Abril do corrente ano.

     Dunash ben Labrat, graças ao seu conhecimento da poesia árabe, introduziu na nova poesia hebraica a métrica árabe, bem como temas profanos e novos temas religiosos. É dele o famoso poema litúrgico de Shabat “Dror Yikrá” (“Proclamará a Liberdade”). A canção que vamos ouvir, atualmente muito popular em Israel, faz parte do acervo dos judeus iemenitas que, desde o tempo em que Maimónides habitou em terras egípcias no seu desterro, motivado pela intolerância dos almóadas que governavam Sefarad, adotaram como sua a poesia dos grandes autores judeus-espanhóis.


Dror Yikra דרור יקרא - Yémen


Shlomo Bar & Habrera Hativiit- Deror Yikra (Concerto ao vivo)




Wallada Bint Al-Mustafki

Modelo de mulher andaluza no exercício da sua liberdade




Wallada (Córdova, 994-1077), filha do Califa Muhammad III al-Mustakfí, foi uma princesa culta e brilhante, e poetisa de grande qualidade. A sua fama mítica deve-se a uma história de amor com o poeta Ibn Zaydún (Córdova, 1003-1071). Ela foi a sua inspiração para os versos mais formosos da poesia hispano-árabe medieval, do chamado período de Al-Andaluz.

     Wallada manifestou uma liberdade de comportamento que escandalizou uma sociedade que colocava a mulher em segundo plano. No entanto, a sua cultura atraiu os escritores e poetas mais relevantes do momento em busca da sua companhia, inteligência e nobreza de caráter. Como uma divisa da sua independência e sentido de liberdade, sobre o ombro direito da sua túnica levava escrito este emblemático verso:

Estoy hecha, por Dios, para la gloria, Y camino, orgullosa, por mi próprio caminho
(Estou destinada, por Deus, à glória, E sigo o meu caminho com orgulho.)

Sobre o esquerdo:

Doy poder a mi amante sobre mi mejilla, Y mis bejos ofrezco a quien los desea
(Deixo que o meu amante me toque a face, e ofereço os meus beijos a quem os desejar)





Neste exemplo, como no seguinte, ambos parte de projetos do musicólogo Eduardo Paniagua, foi utilizada a técnica chamada “contrafacta”, muito usada em Al-Andaluz e de uma forma geral na Idade Média, e que consiste em adaptar poemas a melodias já existentes. O poema “Estoy hecha para la Gloria” da princesa Wallada, foi adaptado a uma melodia andaluza da sua época, conservada na tradição oral andaluza de Marrocos.


Mi el nistár mipanái
(“Quem é o Deus aos meus olhos velado”)


    
 Mi el nistár mipanái” é um texto de Moshé ben Ezra (Granada, c. 1055-1135), filósofo, linguista e poeta judeu, que teve grande impacto na poesia, tanto árabe como judaica, de Al-Andaluz. O poema foi adaptado à canção 375 do rei cristão Afonso X, o Sábio (1221-1284), seguindo a estrutura particular do poema em forma de lição, com perguntas às quais se dá sempre a mesma resposta:




Quem é o Deus a meus olhos velado, revelado à minha razão,
Quem é Deus senão o Eterno.



Este artigo é o resultado de uma pesquisa feita inteiramente pela minha querida amiga,
Sónia Craveiro,
A quem desde já e mais uma vez agradeço imenso o trabalho e o carinho.
Muito obrigada,
Beijinho


Fontes:
Maimónides, Edad de Oro de Sefarad en Al-Andaluz, Eduardo Paniagua, Jorge Rozemblum; Wallada - Ibn Zaydún, Una historia de amor y poesia, Eduardo Paniagua, El Arabi Ensemble

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